Dançando no escuro

Natália Figueiredo
2 min readApr 2, 2024

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Quando minhas luzes se apagam, deito no chão e deixo o peso da gravidade me aterrar. Quando minhas luzes se apagam, deixo aguar meu rosto com águas que estavam a tempos represadas. Acaricio o bichano e deixo seu ronronar ser o som que abraça meus ouvidos.

Quando minhas luzes se apagam, eu me deixo morrer um pouco, deixo desabar cada peça de lego do meu castelo de brinquedo. Pois é só assim que serei capaz de construir novas casas para habitar, com novos formatos e cores.

Quando minhas luzes se apagam, coloco para tocar Perotá Chingó, e lembro de alguma vida passada em que eu morava em um deserto com noite de céu estrelado. Também fecho os olhos e lembro de todos os cachorros que existem: é impossível ser triste olhando para o rosto de vira-lata caramelo.

Quando minhas luzes se apagam, caminho quilômetros a pé, e se chover melhor ainda. Assim, passo a passo, sinto que ainda habita alguma vida em mim. Tomo cuidado, mas muito cuidado, para não parar de achar graça em sorvete de pistache, bolinho de chuva e brigadeiro de leite ninho, porque sei que quando isso acontece, dá muito trabalho para iluminar o escuro que chegou.

E aí talvez, numa noite em que a luz se acabe, procuro no tato onde enfiei minhas velas. Acendo uma a uma riscando um fósforo velho e desacreditado, mas eis que surge a chama e ilumina o escuro. Coloco “starmen” para tocar em minha mente, começo a dançar a coreografia que só meu corpo pode fazer: talvez desengonçado, talvez fora do tempo, mas ainda sim é a minha, apenas minha dança.

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Natália Figueiredo

Da tentativa de achar a palavra certa e nunca encontrar, nascem meus textos | insta: @nataliafig